Planejar o treino de voleibol para contemplar as situações do jogo
É sabido que todas as partidas de voleibol de alto padrão, envolvem confrontos de planos de jogo das equipes participantes, que foram elaborados a partir de dados coletados através programas de levantamentos estatísticos sofisticados e detalhistas. Esses planos de jogo, com estratégias ofensivas e defensivas, são exaustivamente apresentados para os atletas das equipes e treinados. A ideia básica é a de sempre: anular os pontos mais positivos da equipe adversária e impedir que ela proceda da mesma forma, e principalmente criar soluções de surpresa. A busca da imprevisibilidade, ou a diminuição dela, ocorre em ambos os lados.
Portanto, em um confronto entre equipes de potenciais equilibrados e que se conheçam, alguns fatores serão determinantes para que uma delas vença. Esses fatores são vários, mas neste estudo, vamos nos ater aos MECANISMOS DE PRESSÃO. Atletas “experts” no jogar voleibol, assim como equipes coletivamente bem treinadas e bem-preparadas para competir, são aqueles que sabem atuar com eficiência e eficácia frente aos MECANISMOS DE PRESSÃO que se apresentam no jogo.
Os mecanismos de pressão são fatores condicionantes para performance de atletas. Eles interferem na qualidade das interrelações entre as informações aferentes e eferentes que ocorrem no organismo de um atleta, em cada ação do jogo(1). Um grande atleta e uma equipe vencedora conseguem boas adaptações aos mecanismos de pressão de tempo, de precisão, de complexidade, organização, variabilidade, e de carga (física e psíquica), cujas características são apresentadas no quadro abaixo.
Tais mecanismos estão representados no jogo de voleibol, nas seguintes situações:
Pressão de tempo:
Velocidade nas tomadas de decisão antes de receber a bola, devido à impossibilidade de retenção da mesma.
Velocidade das ações determinadas pela velocidade da bola, acelerando ou retardando o movimento, de acordo com cada situação-problema apresentada: no momento dos saques e ataques adversários, dos levantamentos da própria equipe e do adversário, nos desvios no bloqueio, nas ações ofensivas e nas coberturas de ataque.
Adequação dos levantamentos às velocidades de deslocamentos dos diferentes atacantes e situações ofensivas.
Pressão de Precisão:
Exatidão dos passes na defesa e na recepção: destino da bola, adequação da altura e da velocidade em função de cada situação, criada por cada passagem do rodízio, em função das características dos atacantes e da planificação tática ofensiva.
Nos levantamentos: adequação à qualidade dos passes, às funções táticas e características individuais de cada atacante, à altura e ao distanciamento da bola em relação à rede e ao bloqueio adversário. Exatidão no envio da bola para a quadra adversária por meio de ataques, saques ou envio das “bolas de graça”.
Pressão de complexidade:
As técnicas realizadas individualmente são habilidades seriadas, ou seja, implicam numa sequência de movimentos que devem ser executados.
Além da atuação individual, as ações coletivas exigem um sequenciamento de ações, em que o jogador está sempre se movimentando, ainda que não tenha contato direto com a bola.
Nas complexidades tanto das ações ofensivas e defensivas, como nas de transições, as intervenções, individuais e coletivas, se tornam interdependentes e determinadas pelas variabilidades criadas dentro de cada rali. Nos tempos atuais, este mecanismo é identificado e treinado através dos COMPLEXOS I, II E III.
Pressão de organização:
São situações que, na busca do sucesso, o atleta realiza simultaneamente, vários movimentos. Iniciar o movimento de ataque lançando o braço para frente, como se fosse bater, por exemplo na paralela, e durante o lançamento do braço, a trajetória dele se modificar lateralmente para atacar na diagonal, visando surpreender o bloqueio e o jogo de campo da equipe adversária, ilustra esse mecanismo.
Pressão de variabilidade:
A cada momento dos ralis as configurações das situações do jogo podem se alterar em função do posicionamento e velocidade circunstanciais da bola. Os atletas necessitam se adaptar a elas, para que consigam realizar ações que lhes conduzam à eficácia. A cada instante a bola está em um local da quadra, e o jogador que vai recebê-la, deve avaliar sua velocidade, altura, giro, o que exige uma adaptação em sua atuação tática e técnica para que elas sejam apropriadas e eficazes.
Pressão físico-condicional e psíquica:
São três fatores interdependentes e determinantes nas performances dos jogadores ao longo de uma partida de voleibol. A cada rali os atletas são exigidos física e cognitivamente, de maneira individualizada, mas a serviço das ações coletivas.
Existe uma exigência de potência de salto e braço, além da necessidade manter a agilidade e velocidade durante toda a partida. A cada intervenção o atleta ajusta as informações percebidas nas situações de jogo ao planejamento e execução de suas ações que são, em muito, condicionadas pelas condições psicológicas de cada atleta a cada instante. É importante salientar que toda ação, em esportes coletivos é tática, pois deve buscar uma boa solução para os problemas apresentados em cada uma delas.
Na busca de uma solução positiva, em resposta à estimulação de um contexto momentâneo da partida, o atleta está utilizando fatores cognitivos de forma procedimental, através de um gesto técnico que domine e lhe seja automatizado. O atleta expert, muitas vezes, se adequa às exigências do momento e promove uma adaptação no emprego da técnica utilizada como, por exemplo, atacar com o braço semiflexionado para iludir a ação do bloqueio adversário(2).
Os finais de set e das partidas geralmente mostram os atletas e equipes que se encontram mais preparados para bem atuar sob as manifestações do mecanismo de pressão físico-condicional e psíquica, pois além do aumento de desgaste físico, há também uma exigência cognitiva maior, pois os momentos de possíveis vitórias ou derrotas estão cada vez mais próximos.
Portanto, as tomadas de decisões de cada atleta não serão determinadas apenas pelas condições individuais como biotipo, fenótipo, aptidão física, condicionamento físico, capacidade técnica e condição psicológica. Elas sofrerão também, e principalmente, a interferência dos mecanismos de pressão a cada momento do set ou do jogo (início, meio ou fim), de forma seletiva e individualizada.
Percepção, atenção, antecipação, memória, pensamento, inteligência e a própria tomada de decisão, são os elementos cognitivos que diferenciam qualitativamente os jogadores de voleibol.
Idade, experiência esportiva, nível da equipe adversária, importância da competição, local, presença de público, também são influenciadores no comportamento dos participantes de uma partida de voleibol(2).
Um treinador deve conhecer os diferentes mecanismos de pressão para treiná-los e preparar seus atletas e equipe com a maior semelhança possível com a manifestação deles nas situações criadas pelos jogos.
Treinar com antecedência todos os lances que ocorrerão nas partidas, sempre foi um grande desafio para os treinadores. Entretanto, como é sabido, isso é impossível, pois diversos fatores impedem que se crie com antecedência as configurações exatas que serão trazidas pela variabilidade de cada partida. Além das ações da equipe adversária, o conjunto dos mecanismos de pressão que vão se manifestar simultaneamente em cada um dos atletas, e por consequência na equipe, dificultam o planejamento prévio de treinos, com ótima semelhança àquilo que ocorrerá nas partidas.
Quando se consegue visualizar as possibilidades de ocorrências dos mecanismos de pressão de forma simultânea e como cada um deles pode interferir em cada ação dos atletas, pode se ter a ideia de como é difícil para o treinador preparar os atletas para que eles possam tomar a melhor decisão em cada intervenção.
Tentemos visualizar o seguinte lance: uma equipe arma sua formação defensiva, com bloqueio triplo, na sua posição três, para tentar neutralizar uma PIPE organizada pela equipe adversária e finalizada por um atacante que está no “meio fundo”. Para realizar a referida formação defensiva, os atletas utilizam os mecanismos variabilidade, de tempo, e de pressão físico-condicional e psíquica.
Na continuidade do lance acima, podemos supor que o ataque adversário foi defendido com a bola sendo envia entre as posições 2 e 3, mas fora da rede (como um passe B). A complexidade do lance exigirá que os atacantes que fizeram o bloqueio abram, para estarem aptos para participarem do contra-ataque, e o levantador vai adequar as suas ações às características de cada um deles. Ele considerará também a distância da rede que a bola deverá ser levantada, além da altura e velocidade, considerando também o posicionamento do bloqueio adversário, o momento e o histórico do jogo.
O quadro acima(1) é um instrumento para que treinadores possam planejar um treinamento para o bom equacionamento dos mecanismos de pressão que poderão ocorrer em determinadas situações do jogo. O objetivo é que se possa identificar o quanto cada um deles deve interferir em cada uma das ações, e reproduzi-las nas sessões de treino. Para ter sucesso, o treinador precisa conhecer voleibol a ponto de identificar, com clareza, os processos de elaboração das informações aferentes e eferentes que deverão surgir nas tomadas de decisões de cada atleta. Também deverão ser identificados os prováveis mecanismos de pressão que poderão estar presentes, bem como a magnitude de cada um deles.
Vimos então que todos os mecanismos de pressão entrarão como possíveis fatores de limitação das performances dos atletas. Uns com maior ou menor interferência, como mostra o quadro sobre a especificidade das situações-problema criadas pela variabilidade do jogo. Cabe ao treinador avaliar e prever, o quanto cada um dos mecanismos de pressão vai se manifestar em cada atleta, a cada momento e na sua equipe. Simulações com a presença deles deve ser constante nas sessões de treinos, para que os atletas estejam acostumados com elas, e as tomadas de decisões com eficácia surjam com frequência e naturalidade. Quando isso é treinado, diminuem-se as imprevisibilidades que deverão ocorrer nos jogos, o que reflete o bom trabalho da Comissão Técnica da equipe. Trata-se de uma arte! (3)
Finalizando, não se pode deixar de citar que a formação adequada dos atletas também é fator determinante para que se possa ter atletas de voleibol experts. Crescimento harmonioso e repertório motor rico, amplo e variado, farão toda a diferença para o sucesso de forma qualitativa e quantitativa no sucesso futuro de sua carreira.
Referências:
(1)GRECO, Pablo Juan. Iniciação Esportiva Universal. Editora UFMG. 1998.
(2)MATIAS, Cristino Julio; GRECO, Pablo Juan. Cognição & ação nos jogos esportivos coletivos. Ciências & Cognição, v. 15, n. 1, p. 252-271, 2010.
(3)BOJIKIAN, João Crisóstomo Marcondes; BOJIKIAN, Luciana Perez. O atleta de voleibol protagonista: o papel da competição no processo de formação. Disponível em www.academiadovoleibol.com.br. Acesso em 06/2025.